E se eu disser que somos parcialmente cegos? Achamos que estamos vendo o mundo como ele é, mas, na verdade, estamos esquecendo algo. Sempre que abrimos os olhos, a luz entra na retina, células fotoreceptoras interpretam a luz e transmitem a informação para o cérebro. Porém, há uma área na retina onde não existem essas células, chamada de escotoma ou pontos cegos. Todos temos um.
Como não notamos uma área preta no campo de visão? O motivo por não notarmos o ponto cego é que o cérebro é bom em adivinhar o que deveria estar lá. Ele preenche o vazio de forma automática e inconsciente, de modo que raramente percebemos a existência desse ponto cego. Sabemos o que queremos ver, e nosso neocórtex converte a expectativa em um tipo de realidade virtual. Isso significa que uma parte do mundo que vemos é uma ilusão.
O olho vê somente o que a mente está pronta para compreender.
Assim como o cérebro preenche o ponto cego, nossa mente tende a preencher lacunas em nossa compreensão ou percepção do mundo com base em nossas experiências, conhecimentos e crenças anteriores. Isso é parte do que forma nossa perspectiva única.
A palavra perspectiva vem do latim, que significa “a ciência de ver através”. Em A Perspectiva como Forma Simbólica, Erwin Panofsky explora a perspectiva como um conceito cultural e artístico, indo além de sua aplicação técnica na representação visual, argumentando que a perspectiva é uma manifestação da forma como as sociedades ocidentais veem e entendem o mundo. Se a perspectiva é a ciência de ver através dos nossos olhos, como podemos acreditar, se nossos pontos cegos não nos permitem ver uma realidade fidedigna? Podemos dizer então que até a nossa perspectiva é também um tipo de ilusão.
A perspectiva não é apenas uma técnica; é uma expressão da mentalidade de uma época.
Platão descreve um grupo de prisioneiros que vivem acorrentados em uma caverna desde o nascimento. Eles estão posicionados de forma que só podem ver a parede à sua frente e não a entrada da caverna atrás deles. Atrás dos prisioneiros, há uma fogueira, e entre a fogueira e os prisioneiros, há uma parede baixa. Pessoas passam por trás dessa parede carregando objetos que projetam sombras na parede que os prisioneiros podem ver. Os prisioneiros acreditam que as sombras sejam a realidade, pois é tudo o que eles conhecem.
Um dia, um prisioneiro é libertado e levado para fora da caverna. A princípio, ele fica deslumbrado pela luz do sol e tem dificuldade em ver as coisas como elas realmente são. Com o tempo, ele começa a entender o mundo exterior e percebe que as sombras na parede da caverna não são a realidade, mas apenas reflexos distorcidos dela. O prisioneiro libertado eventualmente retorna à caverna para contar aos outros sobre o mundo exterior, mas eles não acreditam nele e resistem à ideia de que sua percepção da realidade é limitada.
Nossa mente cria a percepção da realidade, muitas vezes baseando-se em nossas experiências, crenças e preconceitos existentes. Isso pode levar a uma perspectiva distorcida ou incompleta da realidade, assim como os prisioneiros da caverna que acreditavam que as sombras eram a realidade completa.
É assustador se pensarmos o quão vulnerável isso nos torna. Como podemos revelar os nossos pontos cegos? Como ver completamente a verdade que está em frente dos nossos olhos? Como podemos enxergar o mundo tal como ele realmente é?
A verdadeira iluminação é ver as coisas como elas realmente são, e não como nós gostaríamos que elas fossem.
A jornada do prisioneiro libertado simboliza a busca pela verdade e pelo conhecimento, bem como a responsabilidade de compartilhar essa compreensão com os outros. De maneira semelhante, podemos nos esforçar para superar nossos pontos cegos e buscar uma compreensão mais profunda e precisa da realidade. Precisamos diariamente nos confrontar com a autoconsiencia e nos libertar, sendo uma jornada contínua que exige empatia, altruismo e humildade. Reconhecendo inicialmente que nossa perspectiva pode sempre ser limitada, pois somos falhos por natureza e não enxergamos a verdadeira realidade na nossa frente.
Então, por quê acreditaríamos fielmente na perspectiva que criamos?
Referências: